domingo, 23 de dezembro de 2012

E no que me diz respeito eu abdico. Quero me desfazer dessas ondas apertadas, quero deixar que o vento leve no seu passeio as minhas marcas. Eu quero que tudo acabe se assim me for possível. Quero que tudo volte de uma forma inconseqüente e machucada e que tire de mim esse sonho já vivido. Um cansaço já dito e repetido. Um sorriso já solto e inexpressivo. Que o tempo me permita. Que as luzes não me afoguem. Que os sons não me afugentem. Nem que seja com dor e com lamentos. Que eu mesma me permita.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Um dia como outro qualquer e do céu se desprendiam partículas azuis. No céu eu me perdia e voava colorida. Voava em preto e branco. Voava transparente. Um dia tão comum e no chão a gente via as folhas e as flores dançando lentamente. As gotas de chuva embebedando as árvores e as curvando suavemente. O vento já cansado desistia da sua luta e balançava sem pressa o próprio corpo. Envolvia em seu abraço a minha pele, os meus cabelos. Era uma tarde meio azul e meio cinza e as nuvens caminhavam bem depressa. Era uma tarde meio azul e meio cinza e os meus olhos agitados se acalmavam quando viam que no céu eles podiam sem nenhum tipo de dor se demorar em cada forma que as nuvens, encantadas, produziam sem saber.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Do que escrevi


Eu fui feliz. Durante todo o seu desenvolvimento. Eu fui feliz nas suas deixas e contornos. Deixei sorrir o que em mim estava pronto. Eu permiti que os meus dedos se agitassem levemente nos seus traços. Eu dei vazão a tudo aquilo que se fez brilhante. Eu fui feliz. A cada nova frase algo em mim se agitava. A cada pensamento eu transbordava do meu corpo. Cada atravessamento transgredia o seu percurso e cada obstáculo me dizia algo novo. No seu papel me vi reproduzida. Reproduzi-me de novo e de novo. Eu vi que a escrita liberta do vazio e para o vazio ela se volta sem pudor. Eu fui feliz. Eu sonhei alto e fui feliz devagarinho.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Da felicidade

Olhei certo dia nos olhos de uma criança e disse como ela era especial. Ela em troca me devolveu um sorriso que, de não caber em seu rosto, escapuliu um pouco para o meu.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A relação que temos com as coisas, e não as coisas em si, é o que se transmite.

sábado, 3 de novembro de 2012

Gostaria de ter agora um som que despencasse. Precisava nesse instante de uma música mastigável. Que eu pudesse introduzi-la no meu corpo sem dificuldade. Que ela passasse por todos os meus órgãos e me completasse. Que ela fosse tão enorme que, para caber no meu corpo, precisasse expulsar todo tipo de aperto, todo tipo de encosto. Que ela fosse tão brilhante que obrigasse a manter os olhos fechados a todo aquele que quisesse ouvi-la. Que ela fosse, ao mesmo tempo, tão suave, que passasse quase despercebida. Mas que ela causasse ao seu redor e no seu interior uma mudança irreversível. Uma mudança de proporções incalculáveis. Os pássaros então acompanhariam sua melodia. As árvores se inclinariam para ouvir melhor e o céu espantaria as nuvens carregadas de qualquer tipo de dor. O Sol abrandaria sua força e a Lua, na hora certa, chegaria um pouquinho mais perto da Terra. Era preciso um som... Era preciso isso.

domingo, 7 de outubro de 2012

Com-tato


                E a palavra de hoje é contato.  Com tato... Com toque... Com pele. Entrar em contato é sentir que uma vibração percorre o seu corpo, escorre na sua pele. Entrar em contato é mais do que contatar, do que visualizar. O contato é o suor, é a energia, a sensação. O contato é o brilho, tem textura, tem traçado. Contato é com tato, é sem medo.
        Entrei em contato uma vez com a palavra. Eu era nova, não sabia. Não sabia que a palavra tinha corpo, tinha cheiro.  Eu não sabia que ela tinha voz, que ela gritava, sussurrava. Assumo que me assustei com o contato. Não esperava, eu era nova, já disse. E me perguntava o que será que a palavra queria comigo? E queria saber o que aconteceria dali para frente, se eu ainda poderia retroceder. 
      Percebi-me apaixonada. Dá para acreditar? Apaixonada por um risco, por um pulso, um impulso de me fazer viver. Apaixonada por uma colcha, por uma estrela, uma personagem, uma escritora, várias, vários. Eu era nova, era muito nova. E tudo era novo para mim. Qualquer olhar, qualquer página. Não aceitava que uma palavra tivesse um sentido exclusivo.
            E de repente sofri. A palavra empobrece, pensei. A palavra denigre, ela suja, ela esconde. Ela achata, corta, formata.
            Muito nova, sim. Mas eu não era nova na idade, eu era nova nas coisas, e as coisas eram novas em mim. Eu podia senti-las me transformando e eu também sentia a minha transformação se estendendo até elas.
            Não sei se perdôo as palavras. Mas é que hoje eu acho que a única forma de não falar é falando. É falando que eu vou me escondendo, me não dizendo. É preciso não se dizer, não se contar. É preciso deixar o mistério em nós mesmos falar.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Da solidão

O que se faz com a dor? Com o câncer? Com o ódio? Que cresce dentro de tudo e explode pelas paredes. Que ganha vida e contorno nos traços de cada corpo. É que viver é só solidão. A vida é perceber que não há nada nem ninguém que possa nos amparar, que possa nos envolver em uma doce melodia e nos por a cantar. Viver é uma coisa só. É um corpo só. É apenas um. Viver não é mais do que isso. É correr de si próprio ao encontro de algo maior e perceber que no fim o que havia era espelho, era caco, era pó. Viver é sentir que no clímax de cada invenção, de cada intenção, o que havia era dor, era o peito apertado e impedido de respirar. Viver não é mais que sonhar.

Pausa para um outro em mim

A pálida

No café-da-manhã, minhas certezas servem-se de dúvidas. E tem dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu e em qualquer outra parte. Nesses dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é o meu lugar e não consigo me reconhecer em nada, em ninguém. As palavras não se parecem àquilo que dão nome, e não se parecem nem mesmo ao seu próprio som. Então não estou onde estou. Deixo meu corpo e saio, para longe, para lugar nenhum, e não quero estar com ninguém, nem mesmo comigo, e não tenho, nem quero ter, nome algum: então perco a vontade de me chamar ou de ser chamado.

Eduardo Galeano.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Às vezes... não

Às vezes árvore. É só dela que necessito. Com sua rigidez e com suas raízes. Com seus alcances já definidos. Com sua imobilidade característica e com suas certezas tão coerentes. Às vezes Deus. Carregar-me-ia em seus braços e me diria para onde ir, o que fazer, onde pisar, como não proceder. Só que às vezes não, nada disso. Nego esse Deus e abdico da firmeza que encontro na árvore. Não quero a definição e nem o possível. Quero que os meus traços se percam e não vejam limites. Quero que Deus se desculpe por sua arrogância e autoritarismo e que todos percebam a ilusão que nós mesmos criamos. Quero voar com o meu corpo impossível e dar vazão às conexões explodindo. Deus não existe. A árvore também não.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Hoje uma borboleta me viu chorar

Hoje uma borboleta me viu chorar. Sua imóvel aparição... Em flagrante fui pega. Na hora exata em que em mim romperam as linhas, no exato momento em que faltou o ar. Uma borboleta me viu chorar. Apareceu, já estava ali? Uma borboleta veio para me consolar. Suas asas sem movimentos... meus olhos sem enxergar. Só pude vê-la quando o silêncio em mim já não podia se calar. É que hoje uma borboleta me viu chorar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Hoje eu preciso morrer. Um pouco que seja. A morte viria com o vento e passaria por mim suavemente... como um toque, como os cílios, como os dedos. A morte viria com a luz para iluminar e acalmar meus movimentos. É que às vezes... de repente... sem motivo... a morte vem de forma pura e não perece no meu corpo, não leva com ela os meus olhos. É que, por acaso, em um momento, a morte surge infinita e faz morrer um pouquinho de mim. A morte deita ao meu lado, em meu ombro, só para que a calma que emana de tudo se permita estar triste, enfim...

quinta-feira, 19 de julho de 2012


Emudecer para sempre é o que eu queria para hoje. Talvez quem sabe se meus músculos pudessem enrijecer e me poupassem os movimentos. Meus olhos estariam fixos num só ponto irrelevante que me serviria de consolo.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

04:10


O corpo avisa, o corpo sabe. Faz bem quando dói? Dói quando faz bem? O corpo mira, o corpo invade. Dissemina o impossível e dá as cores da verdade. Qual verdade? Qual metade? Implosão dentro do peito, confusão esparramada, dilacera o que não cabe. O corpo inspira, o corpo arde. Arde corpo afora, arde porque arde. Mastiga a impaciência e vomita a ansiedade. Dá um fim a esse combate. Tritura a insegurança. Deixe que tudo desabe. Eu não sei, eu só sei que o corpo sabe. 

sábado, 14 de julho de 2012

Foi como uma sereia com o seu canto irresistível. Enfeitiçou-me com os seus olhos amarelos e com o seu cheiro inconfundível.

sexta-feira, 13 de julho de 2012


O castelo que foi construído na ilusão e que ganhou concretude nas mentiras desaba ao se deparar com a realidade. Então a verdade destrói o que não existia. Mas isso que não existiu participou ativamente, solidamente, da lapidação e do refinamento das minhas convicções, das minhas atitudes. Isso que não existiu foi influência essencial para minhas escolhas e, consequentemente, para minhas conquistas e derrotas. Isso que não existiu foi a razão para várias noites de insônia que resultaram em decisões ou em várias outras noites de insônia. Isso que não existiu me fez ver outras coisas que também não existiam, me fez fechar os olhos para imagens que existiam. Isso que não existiu tomou conta de mim, fez de mim o que sou e, sendo assim, formou um pouco de cada um que está a minha volta. Só posso concluir desse devaneio que, ou ninguém existe de verdade ou o que não existe, existe de fato. Só para constar, conclusões não concluem nada e um ponto final é apenas uma idealização.

sábado, 23 de junho de 2012

A poeira brilhante circula lentamente o meu quarto, o meu rosto. Por ela qualquer coisa de mim se transfigura em pó. Em mim qualquer coisa dela se conecta e explode em luz. Foi também nessa poeira, nessa madeira, nesses fios de cabelo e nessas pétalas de rosa. Foi também pela tinta, pela letra, pelas capas e pelas cores. Em cada objeto que me rodeia eu existo, eu transformo. Cada objeto que me rodeia me existe, me transforma. Como então falar de desenvolvimento, de mudanças, a partir de algo? Mudanças não se dão a partir, mas sim através, em contato, atravessadas, explodindo, agenciando, multiplicando, vazando, desdobrando, transbordando. 

sábado, 9 de junho de 2012

Palavra... O que é a palavra? Um corte assombroso, um sopro de vida, um recorte no escuro. A palavra é uma escolha, mas não sendo só minha, é a escolha de um outro, é a escolha de um grupo, é a escolha de um ponto, é a escolha de um susto. A palavra é desejo. É desejo doído por se ver imperfeito. É desejo fruindo o prazer em seus dedos. É desejo querendo bastar a si mesmo. A palavra é limite. Limite que aponta o rasgo do todo. Limite que escancara a solidão de um corpo. Limite que diz de um modo de engodo. A palavra é a palavra, e isso não basta.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Das (des)ilusões

Um relance apenas é o suficiente. Uma fresta para escancarar toda a fragilidade de uma vida, de uma representação. Uma luz para iluminar o obscuro da estrutura. É que o que eu via era somente uma claridade que percebi estar além de mim. O que eu sentia descobri ser a esperança de algo que imaginava já concreto. Em minhas mãos desfizeram-se os laços lapidados lentamente e nos meus olhos empalideceram todas as cores que já brilhavam.  Sufoquei, em minha boca, as palavras antes ditas e neguei a simplicidade que já havia assumido. Agora volto atrás no tempo das coisas e digo que não. Não dou conta de mim. Não dou conta de existir em tudo que eu sou.

domingo, 20 de maio de 2012

Foi só um parênteses. Um hiato de som e de matéria. Uma falta de murmúrios e de sombra. Um envolvimento da ausência e do infinito. Foi só um momento. Vago como as bordas de um sorriso.

terça-feira, 15 de maio de 2012

É o único jeito...


Sorri dentro de mim a minha dor. Procuro transcrever as marcas que me faço, que me fazem, em marcas no papel. Em letras que procuram dar vazão às sensações que me chegam por vias impróprias e desconhecidas mesmo, e principalmente, por mim. Que é somente assim que me vejo refletida e existindo para além, apesar de ser pelos domínios, da fantasia.

segunda-feira, 7 de maio de 2012


Falo dessa falta intrínseca, desse nada no peito, dessa impossibilidade de se sentir parte. Refiro-me simplesmente ao branco na parede e ao azul no céu. Ao labirinto dos cômodos da casa, à imensidão de uma rua, a um infinito em mim, a um outro fora. Não quero falar de mais nada. Não quero, agora, trazer a tona algo que não diga respeito a esta falta de ar, a esta ausência de contorno, a este deserto ao estar junto, a esta insuficiência no olhar. Não quero falar de mais nada que não traga consigo o limite de cada coisa, a impossibilidade de uma completa fusão, as tentativas frustradas de se ultrapassar. Porque hoje eu, para sempre, serei eu. E isso é o máximo da solidão.

domingo, 6 de maio de 2012

Qualquer palavra que caiba, que se acomode no silêncio e no caos de cada formato do som. Que não me deixe abandonada na calmaria da minha confusão. Que perdoe a solidão dos meus passos e que encontre em mim aquilo que faça despertar a harmonia da sua composição. Qualquer palavra que assuma. Que assuma os cargos e as faltas de sua intenção. Que assuma a falta de limites do seu alcance. Que, ao se assumir, assuma também os meus braços e pernas e por conseqüência impensada, não vista, assuma também a minha degradação. É só pela palavra, maldita condição, que eu subo até mim e me deixo falar. E ainda sim, o que fala por mim é um eu-outro que se confessa nos traços que a minha mão procura riscar. Que me arrebenta pelos espaços vazios nos quais as letras se infiltram sem me deixar respirar. E que me junta em cacos de mim fazendo com que pelas frestas, alguma coisa mal feita e quebrada possa brilhar.

sexta-feira, 20 de abril de 2012


Às vezes as coisas se encaixam. Surge um momento, como que brotado do acaso, em que cada gesto, cada palavra, cada som se harmoniza e extravasa, extravasa o que não expressava, o que não cabia e o que até aquele momento não havia sequer sido pensado, e então tudo fica bem.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Pausa para aquilo que hoje me faz bem...


E então eu vivi. Eu me percebi sendo. Eu me vislumbrei existindo. E de repente eu senti. Senti a tua textura nos dedos, senti a minha visão a expandir-se, senti que eu podia sentir. Pressenti nos seus olhos o encanto, encanto que em todos os cantos dizia que eu podia e já havia me deixado levar. Encanto que se refez na pele, no toque, no cheiro e nas linhas que no teu sorriso eu pude enxergar. E então eu pensei: É assim que deve ser quando a gente começa a gostar.

domingo, 15 de abril de 2012

São aqueles momentos em que o que se queria era ser entendida sem precisar explicar coisa alguma. Que cada palavra escolhida fosse certeira e caísse nas orelhas de quem escuta sem precisar se adequar. Que cada gesto fosse completo e soasse ao corpo de quem recebe como uma melodia de luz. E que cada olhar fosse sadio e pudesse brilhar por, enfim, ter se feito sentir.

sábado, 7 de abril de 2012

E isso que não passa. É a sutil materialidade das relações. É a sutileza que se concretiza no vago dos gestos. Há a possibilidade de, ao se demarcar o fim de uma vaga concretude, que esta mesma concretude venha a se perceber privada de si própria? Há a possibilidade de que ela possa se transformar a ponto de poder ser parte constituinte da concretização de algo diferente dela mesma? Eu espero que sim...

sexta-feira, 30 de março de 2012


Não, não seria agradável e de forma nenhuma suportável se, de fato, se desfizessem as vendas que tapam nossos olhos, que fazem com que o mundo não possa ser apreendido. Não seríamos capazes de aguentar o peso da solidão, a consciência de que nascemos sem motivo, por um encadeamento de acasos, e vamos morrer da mesma forma. Por segundos sentimos um não sei o quê no peito, quase que uma consciência da nossa existência sem sentido e solitária, mas já voltamos a nos agarrar às frágeis ligações que construímos para que seja possível a nossa continuação. Porque não existe colo suficiente ou sentimento que dure o necessário para combater essa dor de existir, que é solidão.

sábado, 24 de março de 2012

Das impossíveis possibilidades


É que o possível não se cogita. Não damos crédito àquilo que podemos realizar.  Não vemos valor nas coisas que estão ao nosso alcance. Olhamos sempre para além. Para além do que se pode ser. Para além de onde estamos e alcançamos. Para além do que nosso corpo reflete. É que, na verdade, desejar o impossível é, muitas vezes, apenas uma expressão da nossa fragilidade. Representa tão somente o nosso medo descarado de deixar as coisas serem de algum modo, com algum movimento particular que não damos conta de deixar fluir. É que, sendo sincera, desejar o impossível é, em alguns casos, fugir da realidade. Justificar a nossa impotência e imobilidade por uma vontade que nem existe de fato. Isentarmo-nos da dor de nos sentirmos envolvidos com o que está ao nosso redor e que pode ser transformado e, pior, nos transformar. É que, para falar a verdade, desejar o impossível pode significar apenas desejar uma fantasia que não queremos realizar, que por não estar ao nosso alcance nos permitimos devanear sem medo, sonhando seguramente com a impossibilidade de o movimento nos afetar.

sábado, 17 de março de 2012

...Mas não se sabe

Não, não se sabe. Não se sabe nada da cor.  E, no entanto, eu me pergunto, ávida por respostas. Eu quero saber da cor, preciso entender do mar. Apreender o contorno, surpreender-me nos passos. Quero sentir cada esforço, eu quero aprender com meus olhos. Eu quero que o vento me conte o segredo das coisas que ele insiste em fazer circular. Eu quero que as nuvens se cruzem e escancarem a beleza daquilo que as fazem dançar. Preciso enxergar nas camadas de todo o lugar em que piso aquilo que há de concreto e que não se deixa arruinar. E quero também das camadas destes lugares que piso o vazio de tudo que é por onde eu posso criar. 

???


O que será que de mim fica nos lençóis, nos copos, nas paredes? O que será que em mim deixa rastros finos, fortes, densos? Como será que nos outros eu apareço, desapareço? De que forma será que os meus sons são ligados aos sons alheios? Por que será que, de tudo o que há, sobra sempre uma porção do que não pude perceber?  Por que será que, do que não pude perceber, fica sempre uma sensação de incompletude e desilusão? No que será que se sustenta os meus discursos? No que será que fundamentalmente me baseio quando falo? Qual será o cheiro que não percebo e que inevitavelmente exalo? Qual será a sensação que têm aqueles que me contemplam? O que será que a minha presença desencadeia? Qual será o motivo que me leva a indagar incessantemente com a certeza de não obter respostas? Qual será o impacto que simples linhas podem provocar em quem as lê? Qual será o impacto e a influência de mim sobre mim mesma?

quinta-feira, 15 de março de 2012


Como se de repente a solidão me atordoasse e um estado de regressão estivesse ganhando forma. Deito-me com as pernas dobradas, os braços encolhidos, na busca de um aconchego ideal que nada, obviamente, é capaz de me proporcionar.

Não existo. Comunica-se com os outros uma sombra do que eu deveria ser. Sou para mim uma representação do meu ideal. Não, não existo... Existem por mim fragmentos dos meus reflexos, reflexos dos meus fragmentos. Existo não. Cambaleia neste mundo uma minha imitação sem olhos e sem voz que por onde passa parece que não passou. Deixo o mundo intacto e choro sorrindo para o que não sou. 

terça-feira, 13 de março de 2012


Não importa... Deixe que perguntem cada vez mais qual a intenção que modelou nossas vontades, nossas atitudes. Deixe que estranhem sempre a falta de nexo e coerência de tudo aquilo que dissemos, que dizemos. Que nos adjetivem de falsos e inconstantes pela falta de continuidade de nossos seres e pela impossibilidade da concretização de toda e qualquer promessa da forma como ela foi pensada. Pouco importa... que se afastem de mim pelo meu olhar frio e assustado, que evitem de se aproximar e de conhecer tudo aquilo que me diz respeito. Eu não me importo mais de ser quem eu sou, de ser como sou. Eu não me importo mais com a desordem... Eu não me importo mais.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Do corpo

Lisa parede que me constitui. Que de seus furos brote e se desenvolva tudo aquilo que em mim não fiz dar frutos. Que na sua textura e na sua cor possa se revelar a ambigüidade do que parece certo e incontestável. Que no seu movimento incessantemente se apresente o reverso do que foi mastigado e esquecido. Que se materialize de novo e de novo no abrir e fechar de seus elementos tudo aquilo que correu o risco de ser apagado ou mantido. Que de seus pelos e poros se constitua a ausência presente de cada gota salgada e marcada nos seus contornos e curvas. E que possa ser visto de todos os lados a matéria para sempre banhada em luz.

terça-feira, 6 de março de 2012

Toda e qualquer possibilidade. Ah! A memória do quase... O quase gravado na memória.

domingo, 4 de março de 2012

O que se tem de si é tudo aquilo que não se pode dizer. Ficam sempre presos nos dedos, na pele e na garganta os fios soltos das imagens distorcidas e contaminadas pelo que se viu depois. Falta sempre na ilusão do que se diz uma poeira e um arranhão daquilo que se desejava desenhar. E independente do esforço que se faça o que sai sempre é uma palavra deformada e incapaz de se concretizar.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012


Como quando me perco. As sensações são maiores do que o real. Elas o ultrapassam, pois são arte, criações baseadas na distorção, a realidade sempre se nos apresenta disforme. Não, na verdade, é condição humana a ignorância. Vemos tão somente vultos, borrões que, no entanto, são sempre baseados no que de fato existe, mas o que existe não vemos. Estamos limitados às sensações que são de uma criatividade ilimitada. O real, através das nossas sensações, se torna também ilimitado.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Escrevo às vezes pela necessidade de escrever. Às vezes pelo peso de me perceber sendo. Pela asfixia de saber que não há nenhuma fonte de expressão suficiente. Outras vezes me pego escrevendo de alegria, de não caber mais no meu corpo e precisar extravasar para fora dele. De me perceber tão intensa e sensitiva a ponto de se fazer necessário a materialização de um momento. Escrevo também por não saber dizer. Escrevo até pela necessidade de potencializar alguma discussão, de visualizar o meu pensamento. Mas escrevo apenas quando quero. Escrevo apenas se preciso. Escrevo somente quando peço. Escrevo só. Escrever é a minha solidão. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Como é a sua dor de ser no mundo?  Um corpo recortado e submerso em um todo sem sentido. Um rosto de olhos e boca que se misturam inábeis e fracassados. Como eu me sou em meio a tudo isso? Aglomerado de sensações e movimentos. Esquisitices e afastamentos. Um rosto que se segue em seu descaminho. Na cama desfeita eu me vejo, nos restos das roupas. Naquilo que sobra, no inútil da casa. Nos vãos e nos cantos. Nas sombras.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sonolência. No entanto nada me tira de mim. Penso sempre e cada vez mais naquele momento em que, ao acordar, abro os olhos lentamente e me invadem mil imagens distorcidas e muito claras. Minhas pálpebras ainda tímidas e incomodadas se esforçam para proteger os meus olhos da luz até o momento em que não há mais escapatória e elas aderem a uma ávida busca por algum ponto que se apresente claramente. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Você deveria viver mais, aproveitar mais, me disseram. Repliquei sem pestanejar: Mas de que vida fala você? O que você entende por aproveitá-la? Como poderá saber se, de fato, não sinto toda a vida intensamente pulsando a cada segundo da minha existência? O que te leva a julgar que não posso, dentro mesmo do meu quarto, no interior de cada linha dos meus livros, alcançar as sensações mais sublimes e inteiras, me sentir muito mais excitada e entusiasmada do que você jamais poderia? E, no entanto, de que vida falo eu? O que eu entendo por aproveitá-la? Como posso saber se, de fato, não me perco no escuro e sinto apenas sensações de segunda mão? O que me leva a julgar que posso nas linhas mal lidas dos meus livros me sentir para além do que elas me propõem? É, quem sabe eu devesse viver mais...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


Será, será mesmo que não há sequer uma pessoa, um corpo, uma fresta de luz, um zumbido capaz de fazer com que eu possa sair de mim e por um momento docemente deslizar sentindo-me repleta de um outro que inunde a minha escuridão e o meu silêncio? Será possível que não exista uma porção de qualquer coisa que em qualquer tempo me tome pela mão e, sincronizando o ritmo dos nossos passos, me faça sentir parte de tudo o que é? Deve haver em algum lugar um ruído esquisito e perdido a espera de um lugar em que se possa, em paz, repousar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

...

Literatura é não estar certa nem errada. É não ter nada a ver com o certo e com o errado. É abrir um caminho, ver surgir uma possibilidade. É a produção de um encantamento, de uma constante recriação do que se vê sempre. É poder vislumbrar nos espaços vazios relances do que se tentava dizer. Literatura é nunca chegar lá. É não precisar chegar. É um caminho aberto, alterado, inacabado, que só tem razão de ser porque não é, porque não precisa ser. É saber que nunca se lê de verdade só com os olhos ou com as mãos. Lê-se sempre por toda a parte e com todas as partes do que se é. A literatura é.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

De que vale todo o entendimento, cada gota de suor, cada forma do pensamento se o corpo todo não estiver presente? Se não pudermos sentir a nós mesmos. A aprendizagem é no corpo, é pelo corpo. É só no corpo. Daquilo que não posso sentir também não posso entender.

domingo, 22 de janeiro de 2012

De uma conversa

Cada história é um mundo. É um mapa que brota e se desenvolve não se sabe com que finalidade e nem para qual direção. Cada conversa é uma criação. Criação de um instante, de um sussurro, de uma linha, de uma fuga.  Abrem-se fendas, brechas pelas quais nos esgueiramos a esmo e nas quais nos reinventamos. Uma vida não tem destino, não tem caminho a ser percorrido. Uma vida se faz por baixo, pelos lados, para frente, para trás. Ela se experimenta nos vãos das trilhas e abre outras possibilidades de se fazer.  Em algum momento ela inventa os seus próprios trilhos só para poder se perder.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Do que transborda... Só o que vaza, o que sobra. Nada além daquilo que não pude conter. Porque a letra é o toque suave do que não se diz. Cada traçado irrompe de um fluxo que se abandonou sem saber. Cada palavra é formada de um sopro e de um não e de um sim... de um talvez.  Escrever é sentir. Escrever é não poder mais.