sexta-feira, 30 de março de 2012


Não, não seria agradável e de forma nenhuma suportável se, de fato, se desfizessem as vendas que tapam nossos olhos, que fazem com que o mundo não possa ser apreendido. Não seríamos capazes de aguentar o peso da solidão, a consciência de que nascemos sem motivo, por um encadeamento de acasos, e vamos morrer da mesma forma. Por segundos sentimos um não sei o quê no peito, quase que uma consciência da nossa existência sem sentido e solitária, mas já voltamos a nos agarrar às frágeis ligações que construímos para que seja possível a nossa continuação. Porque não existe colo suficiente ou sentimento que dure o necessário para combater essa dor de existir, que é solidão.

sábado, 24 de março de 2012

Das impossíveis possibilidades


É que o possível não se cogita. Não damos crédito àquilo que podemos realizar.  Não vemos valor nas coisas que estão ao nosso alcance. Olhamos sempre para além. Para além do que se pode ser. Para além de onde estamos e alcançamos. Para além do que nosso corpo reflete. É que, na verdade, desejar o impossível é, muitas vezes, apenas uma expressão da nossa fragilidade. Representa tão somente o nosso medo descarado de deixar as coisas serem de algum modo, com algum movimento particular que não damos conta de deixar fluir. É que, sendo sincera, desejar o impossível é, em alguns casos, fugir da realidade. Justificar a nossa impotência e imobilidade por uma vontade que nem existe de fato. Isentarmo-nos da dor de nos sentirmos envolvidos com o que está ao nosso redor e que pode ser transformado e, pior, nos transformar. É que, para falar a verdade, desejar o impossível pode significar apenas desejar uma fantasia que não queremos realizar, que por não estar ao nosso alcance nos permitimos devanear sem medo, sonhando seguramente com a impossibilidade de o movimento nos afetar.

sábado, 17 de março de 2012

...Mas não se sabe

Não, não se sabe. Não se sabe nada da cor.  E, no entanto, eu me pergunto, ávida por respostas. Eu quero saber da cor, preciso entender do mar. Apreender o contorno, surpreender-me nos passos. Quero sentir cada esforço, eu quero aprender com meus olhos. Eu quero que o vento me conte o segredo das coisas que ele insiste em fazer circular. Eu quero que as nuvens se cruzem e escancarem a beleza daquilo que as fazem dançar. Preciso enxergar nas camadas de todo o lugar em que piso aquilo que há de concreto e que não se deixa arruinar. E quero também das camadas destes lugares que piso o vazio de tudo que é por onde eu posso criar. 

???


O que será que de mim fica nos lençóis, nos copos, nas paredes? O que será que em mim deixa rastros finos, fortes, densos? Como será que nos outros eu apareço, desapareço? De que forma será que os meus sons são ligados aos sons alheios? Por que será que, de tudo o que há, sobra sempre uma porção do que não pude perceber?  Por que será que, do que não pude perceber, fica sempre uma sensação de incompletude e desilusão? No que será que se sustenta os meus discursos? No que será que fundamentalmente me baseio quando falo? Qual será o cheiro que não percebo e que inevitavelmente exalo? Qual será a sensação que têm aqueles que me contemplam? O que será que a minha presença desencadeia? Qual será o motivo que me leva a indagar incessantemente com a certeza de não obter respostas? Qual será o impacto que simples linhas podem provocar em quem as lê? Qual será o impacto e a influência de mim sobre mim mesma?

quinta-feira, 15 de março de 2012


Como se de repente a solidão me atordoasse e um estado de regressão estivesse ganhando forma. Deito-me com as pernas dobradas, os braços encolhidos, na busca de um aconchego ideal que nada, obviamente, é capaz de me proporcionar.

Não existo. Comunica-se com os outros uma sombra do que eu deveria ser. Sou para mim uma representação do meu ideal. Não, não existo... Existem por mim fragmentos dos meus reflexos, reflexos dos meus fragmentos. Existo não. Cambaleia neste mundo uma minha imitação sem olhos e sem voz que por onde passa parece que não passou. Deixo o mundo intacto e choro sorrindo para o que não sou. 

terça-feira, 13 de março de 2012


Não importa... Deixe que perguntem cada vez mais qual a intenção que modelou nossas vontades, nossas atitudes. Deixe que estranhem sempre a falta de nexo e coerência de tudo aquilo que dissemos, que dizemos. Que nos adjetivem de falsos e inconstantes pela falta de continuidade de nossos seres e pela impossibilidade da concretização de toda e qualquer promessa da forma como ela foi pensada. Pouco importa... que se afastem de mim pelo meu olhar frio e assustado, que evitem de se aproximar e de conhecer tudo aquilo que me diz respeito. Eu não me importo mais de ser quem eu sou, de ser como sou. Eu não me importo mais com a desordem... Eu não me importo mais.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Do corpo

Lisa parede que me constitui. Que de seus furos brote e se desenvolva tudo aquilo que em mim não fiz dar frutos. Que na sua textura e na sua cor possa se revelar a ambigüidade do que parece certo e incontestável. Que no seu movimento incessantemente se apresente o reverso do que foi mastigado e esquecido. Que se materialize de novo e de novo no abrir e fechar de seus elementos tudo aquilo que correu o risco de ser apagado ou mantido. Que de seus pelos e poros se constitua a ausência presente de cada gota salgada e marcada nos seus contornos e curvas. E que possa ser visto de todos os lados a matéria para sempre banhada em luz.

terça-feira, 6 de março de 2012

Toda e qualquer possibilidade. Ah! A memória do quase... O quase gravado na memória.

domingo, 4 de março de 2012

O que se tem de si é tudo aquilo que não se pode dizer. Ficam sempre presos nos dedos, na pele e na garganta os fios soltos das imagens distorcidas e contaminadas pelo que se viu depois. Falta sempre na ilusão do que se diz uma poeira e um arranhão daquilo que se desejava desenhar. E independente do esforço que se faça o que sai sempre é uma palavra deformada e incapaz de se concretizar.