O que se faz com a dor? Com o câncer? Com o ódio? Que cresce dentro de
tudo e explode pelas paredes. Que ganha vida e contorno nos traços de cada
corpo. É que viver é só solidão. A vida é perceber que não há nada nem ninguém
que possa nos amparar, que possa nos envolver em uma doce melodia e nos por a
cantar. Viver é uma coisa só. É um corpo só. É apenas um. Viver não é mais do
que isso. É correr de si próprio ao encontro de algo maior e perceber que no
fim o que havia era espelho, era caco, era pó. Viver é sentir que no clímax de
cada invenção, de cada intenção, o que havia era dor, era o peito apertado e
impedido de respirar. Viver não é mais que sonhar.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Pausa para um outro em mim
A pálida
No café-da-manhã, minhas certezas servem-se de dúvidas. E tem dias em que me sinto estrangeiro em Montevidéu e em qualquer outra parte. Nesses dias, dias sem sol, noites sem lua, nenhum lugar é o meu lugar e não consigo me reconhecer em nada, em ninguém. As palavras não se parecem àquilo que dão nome, e não se parecem nem mesmo ao seu próprio som. Então não estou onde estou. Deixo meu corpo e saio, para longe, para lugar nenhum, e não quero estar com ninguém, nem mesmo comigo, e não tenho, nem quero ter, nome algum: então perco a vontade de me chamar ou de ser chamado.
Eduardo Galeano.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
Às vezes... não
Às vezes árvore. É só dela que necessito. Com
sua rigidez e com suas raízes. Com seus alcances já definidos. Com sua
imobilidade característica e com suas certezas tão coerentes. Às vezes Deus.
Carregar-me-ia em seus braços e me diria para onde ir, o que fazer, onde pisar,
como não proceder. Só que às vezes não, nada disso. Nego esse Deus e abdico da
firmeza que encontro na árvore. Não quero a definição e nem o possível. Quero
que os meus traços se percam e não vejam limites. Quero que Deus se desculpe
por sua arrogância e autoritarismo e que todos percebam a ilusão que nós mesmos
criamos. Quero voar com o meu corpo impossível e dar vazão às conexões
explodindo. Deus não existe. A árvore também não.
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