terça-feira, 26 de agosto de 2014

Um fio solto em um emaranhado. Absorvido, apropriado. Era uma vez uma cortina separando todo um quarto. Era uma vez um apartamento que abrigava as palavras. E uma vez aconteceu de as janelas se quebrarem. E aconteceu da ventania tomar conta da cidade. O apartamento era a cidade em sua infinita transparência. Devagarinho as paredes escorriam pelo ralo. A mochila deslocada revelava seu segredo: nada dentro dela, nada caberia. É importante que seja dito que um único instante é o suficiente. Em um único instante as narrativas criam laços, criam fendas, se condensam e extrapolam os limites. Do instante escolhido na há verbo que dê conta de contar o seu caminho. No instante em que se cria o possível, o impossível aparece em desalinho. E não há boca e nem letra que supere o precipício. 

domingo, 24 de agosto de 2014

Outra noite de ardência e solidão quieta. É importante sentir a presença que se opera em um dia em que o mundo faz silêncio. Eu sozinha admito que o calor é indispensável, mas advogo sem ressalvas que é preciso vez em quando se esfriar. É preciso ser capaz de se envolver suavemente com os próprios pensamentos, sem buscar a intercessão de alguém ou de alguma coisa que lhe interrompa ou lhe absolva de sua criação. Todo dia acredito que eu sou-me responsável e, por consequência disso, eu me responsabilizo por aquilo que acredito. Apesar das minhas crenças e inteiramente nelas me permito duvidar e ser sozinha, eu me permito me afastar quando me sinto impossível e assumo as consequências da distância que transmito.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Nunca entenderam minha solidão. Julgaram com frieza a minha distância necessária e concluíram que eu era indiferente. Nunca entendi minha solidão. Julguei, precipitada, que precisava de espaço e de tempo quando tudo em mim se desmanchava. Eu nunca soube como fazer para falar. Era preciso um pouco mais de ar e de coragem. Encontrei nos muros, nas paredes e nos tetos a poesia necessária e escondida. Derrubei o que era de concreto para poder criar uma outra ordem. E eu me vi delineando palavras sem sentido. Nessa outra ordem que criei não havia coerência e, devagar, eu percebi que nem sequer ordem havia. E de repente a solidão se transformava em outra coisa.  

sábado, 14 de junho de 2014

Era um corpo ainda feto, nem nascido, inacabado. Era um corpo esparramado pela cama, pelo teto, pelo quarto. Era um corpo meio vivo, que crescia, que brotava. Um corpo todo remendado, que agregava, transgredia. E era um corpo que sentia, que sabia, interrogava. Um corpo meio amolecido, endurecido, um emaranhado. E era esse corpo infinito, expandido, atravessado. E uma pergunta, lá de longe, insistia em acontecer: “Com quantas palavras se faz um corpo?”.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

 Escuro da noite. Pulsante silêncio. Palavras derretidas me inundam, não escorrem, endurecem no meu corpo. Aprisiono-me no opaco e no invisível. Já não pressinto o que de longe me assoma. E é impossível que alguém ainda exista, que persista nesse branco que me assombra. E é impossível que o mundo ainda gire, agora que na casa as paredes não se encontram. Eu não sei mais dizer do que preciso, depois que em cada rua os meus passos se perderam. Depois que voltou tudo, lentamente, sem contorno. Depois que qualquer coisa se tornou prova incontestável... Ainda sim, contestei sem piedade. Precisava era me ver localizada. Localizar-me em algum canto em coerência. Mas tudo em mim explode em cores vivas. E eu já não sei o que fazer com o movimento.